A música é uma forma de nos libertar do tédio do dia a dia, de sentirmos as derivadas sensações que um campo harmônico pode nos propiciar. “Sem a música, a vida seria um erro”. Assim, a frase do filósofo Friedrich Nietszche faz todo sentido, principalmente nos tempos atuais. Dessa forma, não podemos deixar de falar de música boa e de suas histórias que deixaram legados na memória das pessoas. Portanto, não deixe de conhecer um pouco mais sobre a dupla Milionário & José Rico e aprenda a tocar “Estrada da Vida”. Confira!
Aprenda a Tocar Estrada da Vida
Milionário e José Rico
Vamos conhecer a longa estrada da vida de Milionário e José Rico, essa dupla sertaneja, de cantores, compositores e violonistas, que marcou e ainda marca a vida de todos nós.
José Alves dos Santos, José Rico (1946-2015), nome adotado em alusão à terra rica, Paraná, onde cresceu, conhece Romeu Januário de Matos, Milionário (1940) em São Paulo em 1968, em um hotel da “boca do lixo” em que artistas sertanejos iniciantes se fixavam. Ele deixa o trio do qual fazia parte para ser o novo parceiro de Romeu que, para combinar com o nome do colega, adota o pseudônimo Milionário.
A trajetória da dupla, apelidada de gargantas de ouro, se confunde com a história da música sertaneja no Brasil.
Em 1970 gravaram o álbum Matéria Paga. Sem sucesso em São Paulo, vão para Londrina, Paraná, onde conseguem emprego como compositoresde jingles num estúdio. São apresentados pelo compositor Prado Júnior ao diretor da gravadora Continental-Chantecler, Brás Baccarin, que se interessa pela música da dupla e decide lançá-la.
Entretanto, o álbum não atinge vendagem significativa nos primeiros meses, mas depois melhoram, encorajando a contratação. E em 1975, lançam o primeiro álbum pela Chantecler, Ilusão Perdida. O quarto LP traz o apelido da dupla: As Gargantas de Ouro do Brasil.
Dessa forma, Milionário e José Rico são personagens da música sertaneja da década de 1970, a mais cruel delas por ter sido cimentada sob a melhor era da música brasileira urbana. A concorrência era dura. Tim Maia, Roberto Carlos, Gil, Caetano, Chico, Milton pareciam disputar para ver quem produzia, um após o outro, os melhores álbuns. Sobrava ao sertanejo o Brasil que o Brasil não via.
E, assim, a dupla aproveitava a influência estrangeira para se distinguir criando um estilo próprio com base na combinação de diferentes instrumentos e referências musicais, compondo um repertório variado, que abrange bolero, guarânia, canção rancheira, rasqueado, chamamé, polca e balanço, valendo-se de guitarra paraguaia, pistom mariachi, violino, contrabaixo, flauta, trompete, violão e percussão, colocando harpas e metais mexicanos em canções de alma caipira, pavimentando as primeiras estradas de asfalto em um universo de terra batida.
Os caminhoneiros distribuíram suas músicas pelo país e seus nomes ganhavam uma das maiores bases de fãs do Brasil que o país não ouvia. Seu público invisível é um gigante que consumira 35 milhões de cópias de seus LPs e sua carreira funciona mais nas boleias dos caminhões e nas emissoras de rádios do grande Brasil do que em esquemas de promoção ligados à TV.
A consagração pública, porém, só é atingida em 1977, com a canção rancheira “Estrada da Vida”, lançado pela gravadora Warner Music. A canção foi composta durante uma jornada feita por Milionário e José Rico, em 1976, onde faziam uma campanha política numa cidade próxima de Rio Preto, Olímpia, e tiveram que fazer um show em Goiás. Compraram uma Brasília verde e viajaram com ela. Entre o asfalto interminável e a imensidão de paisagens bucólicas, da cidade de Mineiros a Itumbiara, em Goiás, já na volta pra São Paulo, surgiu a música Estrada da Vida, escrita por José Rico.
A canção é pura poesia refinada sobre a vida, onde temos uma clara alusão da nossa vida como uma estrada na qual temos que percorrer trechos difíceis, mas que no final tudo dá certo. É interessante pensarmos por esse lado, pois as vezes passamos por determinadas fases na vida que nos fazem pensar que nada vai dar certo ou que há alguma conspiração externa, mas tudo fica claro quando ouvimos essa canção – vivemos, evoluímos e chegamos ao estágio final da vida que é a morte, no qual o compositor cita como o final da corrida.
O álbum Estrada da Vida vende mais de 750 mil cópias, chegando ao prêmio de disco de platina triplo, fato inédito para a música sertaneja. Logo se entende o porquê de tamanho sucesso. As canções do disco são simplesmente poéticas, abordando coisas da vida de um trabalhador, falando de amores, desilusões, religiosidade e fé, a convicção de uma vida melhor e mais justa e outros assuntos que compõem tudo sobre as pessoas que vivem em cidades interioranas e que batalham diariamente pelo seu “ganha pão”. Talvez seja essa a fórmula para tanto sucesso, a aproximação que as músicas traziam aos seus ouvintes e aquele sentimento de que “tem uma pessoa que canta aquilo que gosto e quero ouvir”.
A canção Estrada da Vida ainda renderia um premiado filme autobiográfico sob direção de Nelson Pereira dos Santos, lançado em 1980, que lotou cinemas pelo Brasil. Distribuído em 15 países, o filme levou inclusive a dupla a até então isolada China, em 1985, em apresentações lotadas pelo país.
A história do filme se passa por quase tudo que a dupla vivenciou e eles mesmos encenam suas próprias vidas, desde as maratonas de shows até as dificuldades encaradas pelos dois até chegar ao sucesso artístico. Bem legal, não é?
Milionário e José Rico contribuíram para a configuração da música sertaneja pop, um fenômeno de mídia e mercado cultural. Porém, mais do que a união bem-sucedida e lucrativa, e apesar do nome ostensivo, a dupla de figurino extravagante apresenta em suas canções o valor da humildade, que se aprende pelas lições de vida. Cantando principalmente canções de amor, a dupla fazia música para pessoas que nem eles, como disse José Rico em matéria de O Globo em 1981 e reproduzida no livro Cowboys do asfalto, de Gustavo Alonso:
“Gente simples, que nem nós dois. Essa gente também compra disco, não é o mendigo que muito estudioso pensa. A maioria desse povo está na cidade grande, pra onde fugiu em busca de trabalho. Mas por mais que fiquem na cidade grande, que envelheçam ali, serão sempre sertanejos. […]. Se trata da saudade gostosa de pessoas que tiveram que cumprir sua sina e venceram, mesmo com o preço de não terem voltado às origens.”